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INQUIETO

"Falo o que sinto e sinto muito o que falo - pois morro sempre que calo." (Affonso Romano de Sant'Anna_Que País é Este?)

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Escafandro

Sob um forte calor
frente a boa piscina
tenta não se indispor
e despir-se de si

Com os dedos dos pés
mede o tempo e a brisa
e por tanto, ao revés,
põe seus medos por cima

Já suado e sem cor
pisa forte na beira,
mas de tanto pensar
põe mais fé na traseira

Mas o calor e desejo, 
que lhe comem por dentro,
rompem o seu dissabor
e lhe entregam ao vento

Sente que o seu pudor
pede fim ao seu pranto
e com armas e suor
põe seu corpo pra dentro

 

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

A palavra voa

Nas palavras
se arvoram
os pássaros 

arredios

Os que voam
sem se ver,
sem se notar

As letras guardam
mais plumas
que o agora

E o depois
é voo    

É pouso breve
na testa
do que se quer
vento

Eu vejo hoje
e por aí 
que o canto
não mete pudores
aos tantos
desejos
dos remadores

Notícias Suas

Eu preciso ter notícias de você
Saiu assim, sem me procurar.
penso o dia todo em te ver,
está em cada canto do meu lar.

Me avise se chegou bem,
quando conseguir ligar
Seja cuidadoso em suas ruas,
não me deixe sem notícias suas

Quando viermos à nossa conversa,
desejo entender a sua pressa
E seja o que tenha a me dizer,
eu digo que não posso te esquecer

Meus medos sumiram no instante
em que seus dedos tocaram minha fronte.
Agora, sinto cada beijo que não dei,
como espelhos que escondem o horizonte.

Seja cuidadoso em suas ruas,
mas não me deixe sem notícias suas.

3irMãos e Mais

Sem obstáculo,
não trocaria a bota,
E num arremedo,
topava o dedo
e ficava na estrada.

Sendo o piso
sempre firme
e liso,
meus pés não teriam casca,
não teriam viço.

Em cada ladeira em que piso,
por toda subida que passo,
aumento o compasso,
estendo o caminho
e procuro força
na mina
da panturrilha.

Mas se a pedra não ferisse,
se a terra não exigisse,
o corpo seria o mesmo,
sem histórias escritas na pele,
sem lições gravadas no osso.

O trilho que sigo
forja mais que passos,
Ergue pontes
entre os percalços.

É nas curvas,
nas quedas,
que o espírito se alinha
ao destino.

Cada dor,
cada rastro,
marca o chão,
e faz do caminho
a chegada.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Eco

na perfeição 
destacam-se 
os defeitos


de ternos

e alinhados

nos afetos


um traço 

na areia

grita o eco


e o que era

ar

é veia


da ave

sua pluma

ao vento


as flores

perdem suas pétalas 

até as flores

Alto do céu

Vou infernizar com felicidade, e se puder, alguém me trague novos termos e frases, que costuro em versos e fatias, sem vírgulas, sem regalias. Quem não amanhece na praia não viveu a noite, não sentiu a brisa varrendo o cansaço, nem ouviu as ondas apagando pegadas. Não corro, que estou aperreado, mas quem busca a pressa só encontra o desejo.
Mais vale a morte quando se quer vida que a vida quando lhe quer morto. Quem não tem pancinha vive em tempos obscuros, onde a fome se disfarça em moda e o espelho engana os olhos. Meu relógio é uma prisão, um ano de vida por notificação. O tempo não mede passos, não cobra abraços, não pergunta dos beijos que ficaram no meio do caminho. Faço uma plástica nas digitais pra que o mundo me esqueça, ou talvez me aceite. Passe, temos todo o tempo, mas o tempo, este, não se deixa. Esse caranguejo é maroto, não privatiza o pirão, mexe o caldo e camarão, e na maré faz sua terra. Vem me embriagar, dar saravá em formiga, cantar desafinado e rir até ser um zumbi de zóio trocado. Dias comuns são extraordinários, brilham numa pulseirinha de neon, amarram memórias nos pulsos, e, no escuro, iluminam a alegria. Umas partes de mim vão, outras ficam. Em Pipa deixei o encanto, em Jampa parti sem descanso, e voltei pra Recife, "foi a saudade que me trouxe pelo braço". Agora vou ali na curva encontrar o vento. Fui pra ficar uma tarde, não saio dali já faz anos. Nas asas de um carcará, viro areia, faço dunas, me refaço em ondas, e a cada dia sou um novo monte, um novo mote, um outro horizonte. Peço com olhos de sede pelas delícias de uma batatinha que afoga a fome, os desejos, e enche de graça as mãos vazias. E na volta, tem um coquinho geladinho pr’aumentar a pancinha e dar linha ao caminho.